Era uma da tarde. Brincadeiras, risadas e gozações me incomodavam profundamente. Não tinha aonde se esconder, aqueles sons pareciam dominar todo o terreno por trás daqueles portões, por maior que ele fosse. Resolvi seguir um rumo solitário. Em um estado alterado de consciência, só me restavam dois caminhos: O da esquerda, pela estrada de terra que rumava até a Vila de Americana, onde haveria pessoas vivendo suas vidas interioranas, nos botecos ou simplesmente rumando até o centro da cidade, com seus respectivos meios de transportes. Não me parecia uma boa idéia ver pessoas naquele momento.
O caminho da direita era mais atraente. Apenas o canavial, uma estrada de terra batida, com enormes plantações a sua volta. Nunca havia caminhado por aqueles lados. Tinham certo temor, nunca tinha visto ninguém a pé por ali, apenas com carros, motos e bicicletas. Aquele era meu caminho.
Sem nenhum pertence, andei sem rumo. Um isqueiro e três cigarros no único bolso da bermuda eram tudo o que eu precisava naquele momento. Não tinha documento, nacionalidade, dinheiro e nem qualquer tipo de aparelho eletrônico roubando minha atenção. Era apenas um ser humano de carne e osso, como qualquer um. Se morresse ali, seria enterrado como um indigente. Eu realmente não me importava. Não queria ser um paulista ou ter um telefone celular tocando. Aquele era o meu momento. Eu e a estrada, ninguém mais.
Caminhei confiante, com aquele sentimento de ser parte de um todo aflorado a cada passo. O Sol ardia em minha pele, contrastando com o gélido vento que ali estava presente. Andava próximo as matas ao lado, e sempre havia um barulho estranho. Seriam cobras, talvez? Possível. Não fazia diferença. Nada impediria minha jornada de continuar em frente. Eu não era o André, eu não tinha medos, temores ou preocupações. De alguma forma, estava ligado a todas as pessoas do mundo e com nenhuma ao mesmo tempo. A vida urbana não fazia sentido.
Avistei ao longe um ponto mais alto, bem no meio da curva. Era um bom destino. Quanto mais eu chegava perto, mais barulho a plantação de cana fazia. Meu ego medroso dizia para abandonar o plano inicial, mas ele não tinha vez. Não naquele lugar. Segui andando até o ponto específico. Daquele ponto, era possível ver os três caminhos que se seguiam, com uma fábrica de vidros ao fundo. Um deles, eu avistava um sítio, era o caminho de volta. O outro caia direto na Rodovia Castelo Branco, o outro caminho de volta, para São Paulo, desta vez. O terceiro era o atalho para a cidade, por onde passamos muitas vezes sobre quatro rodas. Admirei aquela paisagem por alguns segundos e resolvi voltar por onde tinha vindo.
Ao voltar, estava contra o vento, e esse mais forte do que nunca. Todas as plantas daquele lugar pareciam me saudar, vibrando em um ritmo uníssono. Ergui os braços e as saudei de volta. Eu ainda era um indigente, mas naquele lugar, eu não precisava ser alguém. Não precisava de uma identidade, de dinheiro ou até mesmo de uma história. Eu apenas estava lá com o que eu tinha de mais valor.
Seguindo em frente, cruzei o caminho de duas motocicletas. Apenas olhei seus motoristas, que me olharam de volta. Apenas mais um andarilho, era isso que eu era. Quando mais próximo chegava do meu local de origem, os questionamentos e os medos foram voltando aos poucos. Lembrei do meu nome, de quem eu era naquele meio. Inclusive pensei em olhar que horas eram no celular, até lembrar que não estava com ele, justamente por esse motivo. Vi mais pessoas nos sítios em volta, cachorros latindo descontroladamente. Estava sendo visto e notado pelos poucos ali, realmente estava chegando. Abri aquela porteira com a mesma sutileza da saída, entrei e novamente meus ouvidos foram preenchidos pelas risadas daquelas pessoas familiares, que sempre estão de bom humor. Juntei-me a eles novamente e foi dessa forma pelas próximas horas do dia.
Não sei quanto tempo durou aquela aventura, nem à distância percorrida. Eu era apenas um indigente e nunca estive tão feliz por ser aquilo: Um nada e um tudo.